23 dezembro 2009

O sol da savana

O sol intenso a bater na savana, o replicar constante da cigarra, o cheiro acre a terra húmida e aquela curva no fundo da picada que a vista esperta mal alcança, tem sombra de cajueiro, tem fruto de djambalau, tem gente muito chonguila, tem bicho maningue mau. Tem vida que vai e que vem. Tem vida que vai e não volta.

Ali, onde o homem e a natureza se fundem e se confundem. Onde trocam olhares cúmplices. Onde se enamoram e sorriem ao tempo que passa, que passa devagar, devargarzinho, num olhar que chiqui-chiqui noutro olhar. Ali, onde o bafo quente em forma de vento manso, afaga um encantamento doce que ondula ao som longínquo do batuque e da timbila seu sentimento primoroso que outro sentimento lhe há-de acorrentar.

Ali, onde o chamamento rijo brota musculoso das profundezas da terra no agitar maluco duma marrabenta que ecoa desvairada na tarde finda que a noite estrelada vai chamando. Ali, onde a sura, seiva da palma, faz feitiço possante nas cabeças, sente-se vibrar o trepidar forte dos corpos felinos que desafiam o danado do xicuembo e lhe fazem figas de eternos desafios.

Ali, onde o bicho fome bota fora, no caminho da estrada, sua força de grandeza grande, noutro bicho que outro bicho, outro dia, lhe vai comer.

Ali, onde a gente não tem mais nada que sua presença na planície larga, onde a vida não sabe que um dia vai, o sorriso vem num raio de sol… e passa de mão em mão… fazendo quantidade imensa a alegria que recebeu, em dia de saguate, da mão de seu irmão.

18 dezembro 2009

Douro com sentido


A sustentabilidade do Douro tem dependido em larga medida e desde há séculos da monocultura da vinha. Nas últimas duas décadas o Douro tem feito, e bem, um esforço notável para rejuvenescer e modernizar a sua principal fonte de sustentabilidade. Grande parte das unidades produtivas da região passou por esse processo.

Mas o Douro, tal como todas as regiões de monocultura ou monoprodução, está demasiado exposto às vicissitudes da economia de mercado. Quando as coisas correm bem, correm bem para todos; quando correm mal, também correm mal para todos. Por isso, o Douro, para além da natural necessidade de renovar o seu tecido produtivo (o que conseguiu com algum sucesso) necessita também de diversificar a sua produção, de alargar a sua base da sua sustentabilidade. O Douro terá que reinventar novas áreas de negócio.

Aquela que melhor combina com a sua economia tradicional e, diga-se, com a sua geografia, com a sua história e com o seu património é, sem sombra para dúvidas, a área do turismo. E desenvolver a área do turismo é o que o Douro tem vindo a ensaiar. E demorará algum tempo até que os resultados dessa aposta se venham a fazer sentir de forma verdadeiramente generalizada. É, pois, preciso ter calma e muita paciência e acima de tudo congregar uma grande dose de inteligência. Inteligência para formatar um bom produto turístico compatível com o seu potencial endógeno. Calma e paciência para saber aguardar que o fruto amadureça.

O Douro possui uma forte identidade histórica e alberga um notável património cultural que deve ser respeitado e valorizado. E é por aí que deve passar a constituição do produto turístico que o Douro se propõe formatar. Um produto turístico que tire partido da excelência das suas paisagens, do seu notável património cultural e que potencie a sua história. O turismo no Douro deve contar com o que é seu. Com as suas gentes, com as suas vinhas, com as suas quintas, com os seus vinhos e culturas tradicionais, com os seus monumentos, com as suas cidades, vilas e aldeias, com a sua paisagem reconhecida como património mundial.

O Douro é um todo. Quem o visita deverá encher as vistas com o deslumbramento das suas paisagens, deverá experimentar os odores da terra e daquilo que ela produz, deverá encantar o palato com aquilo que mãos hábeis e sábias à terra vão tirando, deverá perscrutar os silêncios profundos dos seus vales, deverá sentir o vibrar forte da alma duriense.

O produto turístico duriense deverá embalar tudo isto. Por isso, o Douro não se pode limitar a vender postais ilustrados num qualquer passeio fluvial no leito do seu rio. Embandeirar em anúncios megalómanos vindos do exterior, rejubilar com cantos de sereias vindas de paraísos tropicais inexistentes poderão ser fatais ao Douro. Não há futuros fáceis. E os durienses sabem-no como sabem que o melhor futuro é aquele que se constrói com o seu trabalho, com o seu esforço e com a sua inteligência.

08 dezembro 2009

Copenhaga e o instinto de sobrevivência

Está a decorrer, de 7 a 18 deste mês, na capital Dinamarquesa, a “Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas”, abreviadamente, também, designada por conferência ou cimeira de Copenhaga.

Nesta cimeira estão reunidos os líderes mundiais, nomeadamente os responsáveis governamentais pelas áreas do ambiente, para discutirem e tentarem concertar medidas que atenuem ou ponham cobro às mudanças climáticas cujas consequências nefastas já se sentem, de forma evidente, a nível global.

É que com o constante incremento industrial e do seu usufruto, consequência do crescimento exponencial do acesso à sociedade de consumo por um cada vez maior número de pessoas em todo mundo, principalmente nos países emergentes, nomeadamente na Índia e na China, tem-se adensado a libertação, para a atmosfera, de gases com efeito estufa que estão na origem das preocupantes e nefastas alterações climáticas.

Todos já percebemos que a presença de gases com efeito estufa na atmosfera está próxima de atingir o limite do aceitável e o ponto de não retorno a partir do qual a vida, tal como a conhecemos, deixará de ser viável no planeta terra.

Assim, em Copenhaga, não só está em causa o nosso futuro individual mas principalmente o futuro da humanidade e muito provavelmente o de grande parte dos seres vivos. A hora é, pois, de preocupação e responsabilidade.

Para muitos especialistas o que está sobre a mesa em Copenhaga é, ainda, muito pouco para o muito que há a fazer nessa área. E sendo pouco, exige-se que as delegações se entendam e não falhem num entendimento por mínimo que seja.

Esse entendimento será um sinal ao mundo. Se o compromisso persistir curto, como aquele que nos é apresentado, muitos considerarão que o sinal será ténue e frouxo. Mas o não compromisso representa, com toda a certeza, um sinal aberto em direcção ao abismo onde mergulhará, dentro de algumas décadas, toda a humanidade.

Por isso, todos esperamos que as delegações em Copenhaga não se limitem a negociar com inteligência mas que coloquem, também, sobre a mesa, o mais primário e o mais radical de todos os instintos: o instinto de sobrevivência.

02 dezembro 2009

Evitar o pântano

A vida dos povos é em larga medida condicionada pelas acções e opções das suas elites ou, se assim se preferir, da sua classe dirigente. Só uma classe dirigente lúcida e preparada é capaz de proporcionar aos seus concidadãos patamares superiores de desenvolvimento e progresso que lhes proporcionem bem-estar e felicidade.

Basta olharmos de relance para o mapa-múndi para percebemos, com linear facilidade, que os povos dirigidos por classes dirigentes mesquinhas, medíocres e impreparadas conduzem e arrastam, invariavelmente, os respectivos povos à miséria e ao sofrimento, privando-os de qualquer perspectiva de futuro e de acesso ao bem-estar e à felicidade que o conhecimento disponível no século XXI, só por si, seria capaz lhes proporcionar não fora a perniciosa acção dessas mesmas classes dirigentes.

Basta fixar-nos, igualmente e por um instante, na mais recente crise global para concluirmos da enorme e quase exclusiva responsabilidade que deve ser imputada à elite financeira internacional no despoletar dessa mesma crise.

Vêm estas palavras a propósito dos mais recentes desenvolvimentos políticos a nível nacional. Ainda a XVIII legislatura vai no adro - decorreu apenas um mês sobre a tomada de posse do novo governo - e começamos já a ser confrontados com os primeiros e preocupantes sinais que podem vir a condicionar de forma perniciosa o nosso, mais próximo, futuro colectivo.

A nossa Assembleia da República, antes mesmo de cuidar daquilo que é a sua principal tarefa – legislar e fiscalizar o governo - tem vindo a revelar uma especial apetência por condicionar a acção governativa (o que não augura nada de bom), numa espécie de culto revanchista aliado a uma certa visão mesquinha e pequenina (rejeitada nas urnas pelos portugueses), que assenta na ideia que tudo se resolve revogando e suspendendo.

Pede-se aos senhores deputados que apresentem propostas legislativas que contribuam para a construção de um país moderno, competitivo e solidário. Pede-se, ainda, aos mesmos senhores deputados que fiscalizem e critiquem, de forma exigente e rigorosa, a acção do governo naquilo que lhes parecer condenável.

O que os senhores deputados não devem fazer, antes devem abster-se de praticar, é tentar governar o país a partir do próprio parlamento. Esse exercício cabe ao governo. O governo governa e a Assembleia da República legisla e fiscaliza o governo. Inverter esta lógica é criar o absurdo paradoxal de pôr a oposição a governar e o governo a fazer oposição.

Portugal e os portugueses só podem ganhar se cada um souber ocupar o seu próprio espaço e desempenhar com lealdade o seu próprio papel. Portugal e os portugueses terão tudo a perder se a exagerada crispação política continuar a obliterar a nossa classe dirigente enleando-a num leito pantanoso que a todos atingirá de forma gravosa e inexorável.

Tal com a própria democracia também o sucesso e o desaire colectivos são obra comum de partidos rivais. Espera-se que a natural rivalidade entre partidos seja posta ao serviço do sucesso de todos e que jamais seja utilizada como arma de arremesso para ajustes de contas que só poderão conduzir ao nosso desaire colectivo.

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