29 dezembro 2014

O escândalo do século


A propósito da reportagem da SIC e começando pelas afirmações do presidente da Câmara, registo os seguintes comentários:

1 – Afirma, de forma clara, o presidente da Câmara que “a Câmara não tem, não teria condições para fazer um projeto desta natureza”. Nada melhor para início de conversa que reconhecer que a Câmara não dispunha de condições para avançar com este empreendimento – agora sabemos, claramente, que o presidente da Câmara tinha consciência que não tinha condições para fazer o que fez . Então, se a Câmara não tinha condições para avançar com um “projeto desta natureza” (e não tinha, de todo, falo com conhecimento de causa) porque avançou? Porque decidiu e arrastou Lamego para esta aventura?
E no contexto, evocar o envolvimento dos privados não conta, só agrava a situação, já que os privados se propunham, sem correr qualquer risco, ganhar dinheiro com a construção, com o financiamento e com a exploração (parcial ou não) do equipamento. Em toda a engenharia financeira conhecida não se vislumbra qualquer risco para os privados, antes pelo contrário, era tudo “filet mignon”. Logo, neste contexto, se a câmara não tinha condições..., com o “envolvimento de privados” muito menos, já que ao esforço impossível para concretizar o projeto, haveria, sempre, que acrescentar os lucros dos privados (já nem falo na obra, em si, mas sobretudo no financiamento e na exploração - parcial ou não - do equipamento).

2 – Refere-se, o presidente da Câmara, aos privados envolvidos neste processo como “gente com muita experiência, com muita capacidade para executar obras de natureza diversa”.
Sobre a honorabilidade dos envolvidos não cabe aqui nenhum comentário. Mas evocar, no contexto atual, a “muita experiência” e a “muita capacidade para executar obras de natureza diversa”... é no mínimo bizarro. A obra revelou e continua a revelar dissonâncias estruturais incompatíveis com tamanha adjectivação. E isto para já não falar nas vicissitudes do processo construtivo onde infelizmente ocorreram vários acidentes e onde houve, inclusive, mortes a lamentar. Quanto mais não fosse, até por este facto, a adjectivação utilizada é absolutamente inconsistente e absurda.

3 - Justificando, ainda, o “envolvimento de privados”, evoca o presidente da Câmara a “muita experiência” e a “muita capacidade” dos privados para financiar o projeto e de o “financiar bem, na banca, quando as instituições privadas tinham mais acesso ao crédito do que tinham as instituições públicas”.
Ora, acontece que esta afirmação do presidente da Câmara não corresponde à verdade. Desde logo, como é afirmado na própria reportagem, a Caixa Geral de Depósito só viabilizou o empréstimo de “cerca de 20 milhões de euros” porque a Câmara emitiu uma carta conforto (ilegal, afirmo eu) em que a Câmara se comprometia com as “obrigações decorrentes” e inerentes àquele empréstimo.
Por outro lado, a afirmação não corresponde à verdade porque em 2006, quando se decidiu avançar com o projeto, a Câmara de Lamego tinha (ao contrário de hoje) uma situação financeira sólida e robusta e com um invejável “bom nome” junto da banca. Basta confrontar as facilidades e os “spread” que, naquela altura, eram exigidos à Câmara de Lamego e os que eram exigidos aos privados envolvidos para se comprovar que a Câmara estaria em muito melhores condições para se financiar junto da banca do que estavam os privados a que se refere.


NB – Por aqui se vê que apesar da desenvoltura tensa do discurso, o presidente da Câmara não aduziu nada que nos pudesse confortar em relação a todo este escândalo. Antes, pelo contrário, tanta ligeireza de palavras só nos adensam a preocupação que o pior ainda está para chegar.

PS – Ainda, em nota de rodapé.
Não estando a Câmara, como reconhece o presidente da Câmara, em “condições para fazer um projeto desta natureza”, a engenharia financeira escolhida acaba por se revelar um verdadeiro desastre.
A embarcar-se numa aventura tão proibitiva (que, de todo, não deveria ter acontecido) mais valia que se tivesse avançado com um processo mais ortodoxo: o lançamento de uma empreitada, por concurso público, que sempre teria a vantagem de poder usufruir de fundos perdidos (comunitários) até a um limite de 90%, ao contrário da engenharia financeira escolhida que a eles não poderia recorrer.
Para se ter a noção exata do que estamos a falar, a Câmara em vez de vir a pagar cerca de 30 milhões (IVA incluído) – já se falou em cerca de 70 milhões e ao certo parece que ainda ninguém (nem os próprios) sabe quanto será – pelo processo adotado, a Câmara pagaria, apenas, 2 milhões de euros (se o custo da obra tivesse sido os cerca de 20 milhões de que se fala e usufruísse dos tais fundos perdidos que seriam possíveis), caso se tivesse escolhido, como seria mais racional, o processo de empreitada.
Acresce, ainda, que se se tivesse optado por uma empreitada de obras públicas (processo que foi preterido) a Câmara pagaria, apenas, 5% de IVA, ao passo que com a engenharia financeira (tipo PPP) escolhida pagará 23% de IVA. Isto é, para um montante de referência de 20 milhões de euros que terá custado o empreendimento, a câmara em vez de pagar 1 milhão de euros em IVA, vai pagar 4,6 milhões (uma diferença para mais de 3,6 milhões de euros).

E o escândalo não se fica por aqui.

O escândalo do século

25 dezembro 2014

Multiusos - acertos e desacertos


Segundo a última edição do jornal “Região d'ouro”, o vereador Jorge Osório terá afirmado que a construção do multiusos tinha sido “uma decisão acertada”.
Nada de mais errado!
Acertado teria sido manter a Expodouro (a maior e mais pujante Feira do interior Norte do país). Acertado teria sido não ter atirado a feira semanal para cima de arruamentos urbanos à boa maneira terceiro-mundista. Acertado teria sido não lançar a derrama (imposto municipal) sobre as micro, pequenas e médias empresas do Concelho. Acertado teria sido não aumentar o custo da água para preços proibitivos (principalmente para o sector empresarial que tão debilitado tem andado com a crise financeira que o sufoca). Acertado teria sido não ter abandonado o programa URBCOM (com fundos comunitários) que dispunha de alguns valiosos milhões de euros para o apoio ao nosso comércio tradicional. Acertado teria sido prosseguir a política de construção de equipamentos desportivos de proximidade (junto das escolas, junto dos bairros residenciais e nas aldeias do concelho) por forma a facultar e a fomentar o “Desporto para todos”.
Melhor, ainda...
Acertado teria sido ter um plano e uma estratégia de desenvolvimento sustentado do município para não termos que ter esbanjado três mandatos autárquicos com pouco mais que a construção de uma inutilidade chamada multiusos e na desfiguração da nossa jóia da coroa (a baixa da cidade). E isto, claro, para já não falar na monstruosa dívida que poderá rondar os 100 milhões de euros no final do mandato. É caso para perguntar por onde se terá dissipado tão significativo esbanjamento.

PS – No mandato autárquico 2001-2005 (mandato em que, igualmente, Jorge Osório desempenhou funções de vereador), a Câmara elaborou um estudo prévio para a construção de um multiusos na mesma localização do atual tendo-se concluído que não só a localização não era adequada como era uma infraestrutura insustentável para o município de Lamego. Por isso o projeto foi abandonado e mandado engavetar.
Subsiste a questão: como é que um projeto em 2003 (mais modesto e prevendo a possibilidade de financiamento a 75% com fundos perdidos) é considerado inviável e em 2006 passa a ser uma “opção acertada”, apesar do seu megalómano custo não contar com qualquer cêntimo a fundo perdido?

19 dezembro 2014

Para início de conversa


Porquê? Para quê? Que programa funcional? Que estudos garantiram a sua viabilidade (sim, que estudos garantiram a sua viabilidade)? Que projeto sustentou a sua construção? Que alterações foram introduzidas? Como se escolheu a sua localização e porquê? Que “criatividade” financeira permitiu o atrevimento? Como foram selecionados os parceiros? Quem vai pagar o “desmando”?... 

Com tantos, tantos, milhões em jogo, no mínimo temos direito a saber o que qualquer estudante de jornalismo saberia perguntar: quem, o quê, onde, como, quando e porquê?

15 dezembro 2014

Doutros campeonatos


Sem rumo nem perspectivas, a “meter o bedelho” em tudo o que mexe, situação financeira caótica e descontrolada, imbróglios jurídicos a “dar pela barba”, uma equipa em acelerada desagregação e uma década de inexorável decadência.

Valha-nos o facto de estarmos em plena época Natalícia, época, particularmente, propícia à reflexão e à partilha de novas esperanças e novas harmonias.

Por uma Escola inclusiva


Na família, sempre que um membro se atrasa ou demonstra dificuldades todos os outros se entreajudam na sua recuperação - neste particular, ficou famosa a história bíblica do “filho pródigo”.
Também na escola pública as coisas se deveriam passar assim. Sempre que um aluno demonstrasse maiores dificuldades na aprendizagem todo o sistema se deveria preocupar na sua recuperação – o Estado, através da Escola, não pode desistir dos mais frágeis, não pode abandonar os mais fracos à sua sorte.
Por isso, o sistema de “chumbos” e de avaliação quantitativa é profundamente injusto e perverso. Porque tende a acusar, a abandonar e a desistir dos mais fracos e dos mais frágeis.
As dificuldades cognitivas têm recuperação, a preguiça e os “maus” hábitos têm cura, só é necessário que o sistema trabalhe nesse sentido e com esse objectivo.
Infelizmente, em Portugal, temos estado a dar passos no sentido contrário.

Sinais de esperança e confiança no futuro. E não de "queixinhas".


A propósito da suspensão de mandato do vice-presidente da Câmara de Lamego e da retirada de pelouros e respectivo “tempo inteiro” a um outro vereador por parte do presidente da Câmara, o PS de Lamego emitiu um comunicado, em quatro pontos, que me merece o seguinte comentário:

Sobre os pontos 1, 2 e 3, supostamente factuais, nada a aduzir. Já sobre o quarto e último ponto do comunicado considero que o mesmo roça a total subversão daquilo que deveria ser a atividade política séria, consequente e responsável.
É que tudo quanto o PS de Lamego nos tem a dizer sobre aquilo que considera serem os graves desmandos da gestão autárquica é que vai fazer queixinhas. Que vai fazer queixinhas à Inspeção (não se diz a qual, imaginamos que à IGF), que vai fazer queixinhas ao Tribunal de Contas e que vai fazer queixinhas ao Ministério Público (também não se diz a qual e aqui o exercício de adivinhação torna-se mais complicado).
É bom lembrar que desde os tempos de Charles-Louis de Secondat (e já lá vão mais de dois séculos e meio) que as democracias ocidentais se foram habituando à separação de poderes e de funções: às inspeções compete inspecionar, aos tribunais visa julgar, ao Ministério Público incumbe investigar e acusar e aos partidos políticos cabe fazer política (e não politiquice).
Portanto, os partidos políticos que se ponham a fazer política, a fazer política mesmo e à séria. Que nos façam uma leitura política da realidade (identificando constrangimentos mas, também, oportunidades), que nos digam que gestão política da coisa pública estão a fazer ou que alternativa nos propõem, que nos façam chegar as soluções e as propostas que têm para enfrentar os problemas que nos afligem e a todos condicionam a vida... Que façam tudo isso e que se deixem de querer bater uns nos outros com a mão de terceiros (seja ela da Inspeção, do Tribunal ou do Ministério Público).
No caso de Lamego, os políticos que denunciem a total ausência de projeto e estratégia autárquica; a acelerada e inexorável decadência institucional, económica e financeira que se abateu sobre o município; a letargia cívica e participativa que nos tem sufocado; a ensandecida e irresponsável decisão de se terem derretido dezenas de milhares de milhões de euros numa inutilidade chamada “multiusos”; a aparvalhada intervenção feita no chamado “eixo barroco”, etc., etc., etc., que nos digam que soluções têm para resolver todos estes problemas (que quer queiram, quer não, já estão criados e é preciso resolver) e que nos confortem com palavras de esperança em relação ao futuro porque bem triste já anda o nosso presente... sim, palavras e sinais de esperança e confiança no futuro. 

É disso que todos andamos ávidos e não de queixinhas adiposas que nem sequer precisam de ser feitas porque as entidades referidas já estão mais que avisadas e a fazer o seu trabalho. Se bem ou mal feito, logo se verá. Mas não será, com certeza, com mais uma queixinha a perturbar... que a decisão final terá melhor qualidade.

PS - Fiquei, entretanto, a saber pela leitura da ata da reunião de Câmara de 1 de Dezembro de 2014 (portanto anterior ao comunicado do PS) que o presidente da Câmara informou o executivo que, ele próprio, iria comunicar e enviar toda a documentação respeitante ao processo de dissolução e liquidação da empresa municipal “Lamego Convida”, ao Tribunal de Contas, à Inspeção Geral de Finanças e ao Ministério Público, o que torna ainda mais absurdo o Comunicado do PS.

De como as coisas são

Nos últimos tempos dois factos da maior importância ocorreram no seio da Câmara Municipal de Lamego. A suspensão de mandato do vice-presidente e a retirada de pelouros e respectivo “tempo inteiro” a um dos vereadores.
Começando pelo segundo caso, o presidente da Câmara decidiu retirar os pelouros e respectivo “tempo inteiro” a Jorge Osório por falta de confiança política. Jurídica e politicamente é uma competência arbitrária do presidente da Câmara e portanto, quanto a este facto, nada a dizer - quanto às consequências políticas, isso são contas doutro rosário e para outras núpcias. Jorge Osório, por sua vez, decidiu manter-se como vereador sem pelouros atribuídos, provavelmente, agora, com outras liberdades. É um direito que lhe assiste já que é membro da Câmara por direito próprio, direito que lhe foi conferido diretamente pelo eleitorado. Também, neste caso, nada a dizer.
Já em relação ao primeiro caso, a iniciativa foi do próprio vice-presidente que invocando razões pessoais suspendeu o seu mandato por 360 dias. Contudo, a percepção colectiva é que a mesma se ficou a dever, não a razões pessoais, mas, sim, a dissensões insanáveis com o presidente da Câmara.
Neste contexto, e aqui a percepção conta, a posição de José Pereira é um ato politicamente falhado. A suspensão e as razões evocadas soam a falsete o que pode ser fatal para qualquer ambição política. 
A existir uma qualquer divergência inultrapassável com o presidente da Câmara, José Pereira só tinha uma saída: a da demissão, na sua extensão mínima (demitir-se de vice-presidente e prescindir dos pelouros que lhe haviam sido confiados, mantendo-se como vereador) ou na sua extensão máxima (pura e simplesmente demitir-se do cargo para o qual havia sido eleito). Claro que qualquer uma destas opções deveria ser acompanhada por um esclarecimento, muito claro e bem sustentado, à opinião pública que haveria de compreender... ou não! São os riscos da atividade. Quebrada a confiança política entre o presidente da Câmara e o vice-presidente não há regresso possível no reino da decência e da dignidade das instituições.
Se a ideia é esperar por uma qualquer cadeira vaga, o caso complica-se: é que tudo pode exalar a interlúdio oportunístico ou pior, ainda, tresandar a uma espécie de espera por “sapatos de defunto” (salvo seja). E ninguém, com certeza, gostaria de ter como presidente da Câmara alguém que se alcandorou ao cargo de forma tão matreira e felina. Confesso que não era, nem é, esta a imagem que tinha, e tenho, do eng. José Pereira. Fiquemo-nos, pois, pelo ato falhado.

Quanto ao direito que todos temos de saber toda a verdade – questão, também ela, da maior importância - ficará para outra ocasião.


Araribóia. E de como Niteroi se chama Niteroi.


Cumpridos os objectivos que me levaram ao Rio de Janeiro e sem que primeiro desfrutasse de alguns dos locais mais icónicos da cidade maravilhosa, eis-me, num sábado de manhã, na Praça da Candelária a umas centenas de metros da estação das barcas. Ali, naquela praça tristemente célebre pelos massacres de Julho de 1993, colhi as últimas e preciosas informações que me haveriam de conduzir, sem percalços de maior, até Niteroi – a cidade que se espreguiça em frente ao Rio de Janeiro do outro lado da baía de Guanabara, onde pretendia visitar um familiar. 
“Se vai para a zona de Icaraí, o melhor mesmo, é apanhar a barca que se dirige para a praça Araribóia”, avisou uma última vez o meu informador. A meu pedido ainda soletrou duas ou três vezes a palavra “Araribóia” para que a pudesse memorizar com um mínimo de segurança.
Enquanto percorria o trajecto até à estação das barcas lá ia repetindo incessantemente e em silêncio a misteriosa palavra (Araribóia, Araribóia...), não fosse o esquecimento levar-me a destino diverso daquele que pretendia.
Ao contrário do que a designação "barcas" pudesse sugerir fiquei mais aliviado quando me vejo dentro de uma embarcação de envergadura bem avantajada e com uma comodidade francamente aceitável.
Uma vez chegado ao destino e ultrapassado o bulício da saída, dou comigo no exterior da gare marítima. Paro por uns segundos e perscruto por uns instantes a irrequieta avenida onde tudo parece confluir. Ao descair o olhar um pouco para a esquerda, reparo (quase em frente) numa estátua com cerca de três metros de altura em cima de um pedestal com idêntica envergadura. O meu olhar prende-se, imediatamente, à estátua e fixo-me nela enquanto me aproximo. 
Quase tudo naquela estátua contrariava a iconografia que conhecia: uma robusta e pujante figura de feições índias, semi-nu (apenas uma tanguinha a tapar as suas “vergonhas”), um colar de contas com a cruz de Cristo ao pescoço e uma virtuosa e impressionante pose majestática”. 
Não, os nossos heróis guerreiros não são assim, são muito mais formais e sempre representados em majestosos uniformes com soberbas ombreiras, espada à cinta ou bordão generalíssimo, lautas cabeleiras encimadas por coroa ou chapéu imperial. Tamanha nudez e despojo majestático contrastavam, definitivamente, com os arquétipos que havia assimilado...
Absorto no meu espanto e não de todo refeito da surpresa de tão estranha simbologia, mal reparo no jovem carioca que solícito se aproxima e oferece os seus préstimos: - “Está admirando nosso herói”? Sem tempo sequer para esboçar qualquer resposta, já o meu interlocutor rematava: “esse aí, é o Araribóia e esta praça aqui ao lado é a praça Araribóia”. Esboço um pequeno sorriso na sua direção para agradecer a solicitude: - “Ah, sim!?... muito obrigado pela gentileza da informação”. 
O meu sotaque acabava de me denunciar: - “Ah, você é patrício, vem de Portugal?”. Não esperou por mais para desentorpecer aquele jeitinho, bem brasileiro, de familiarizar à primeira vista: - “Então se você é patrício vou contar para você a história de Araribóia”. E foi assim, naquele linguajar doce e melódico, que fiquei a saber da história de Araribóia, cujo nome ouvira pela primeira vez uma hora antes na praça da Candelária.
Araribóia era um chefe índio, da tribo dos Tupis, que viveu em meados do séc. XVI quando os portugueses, algumas décadas após a sua chegada ao Brasil, tentavam consolidar a sua presença naquele extenso território e neste caso concreto na zona da baía de Guanabara. Por rivalidade com tribos vizinhas, Araribóia e a sua tribo decidem apoiar os portugueses quer sobrepondo-se aos outros nativos quer contra as expedições francesas, também elas, muito interessadas naquelas terras. Garantido o domínio, os portugueses haveriam de cumprir o prometido ao chefe Araribóia por “seus tão grandes e prestimosos feitos”, com ele haverão de repartir tão importante espólio, as terras em redor da baía de Guanabara.
Enleado no pormenor histórico e deliciado com a cantilena do narrador desperto na fase final da narrativa: - “E aí, os seus patrícios portugueses cumpriram a sua palavra. Sim seus patrícios foram de palavra. Em troca da ajuda de Araribóia para expulsar os outros índios e os franceses lhe deram uma terra para ele governar. E a terra que lhe deram para governar foi essa aí de Niteroi. Foi ele que fundou essa nossa cidade de Niteroi”. 
Embevecido pelo implícito elogio ao nosso povo (“gente de palavra”) devo ter deixado escapar um breve brilhosinhos nos olhos, imediatamente aproveitado para refinar a história que acabara de me contar: - “... assim se passaram as coisas. E agora, você sabe que quer dizer Niteroi na língua Tupi, a língua dos índios daqui?”. 
Nem esperou que lhe manifestasse o meu desconhecimento da língua Tupi e antes que pudesse mesmo conjecturar qualquer epílogo, rematou com indisfarçável deleite naquele vernacular e arrastado tropicalismo: - “Niteroi, na língua Tupi, quer dizer terra lamacenta. Agora, veja só que merda de terra foram dar para ele governar”...

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