A
propósito da reportagem da SIC e começando pelas afirmações do
presidente da Câmara, registo os seguintes comentários:
1
– Afirma, de forma clara, o presidente da Câmara que “a Câmara
não tem, não teria condições para fazer um projeto desta
natureza”. Nada melhor para início de conversa que reconhecer que
a Câmara não dispunha de condições para avançar com este
empreendimento – agora sabemos, claramente, que o presidente da
Câmara tinha consciência que não tinha condições para fazer o
que fez . Então, se a Câmara não tinha condições para avançar
com um “projeto desta natureza” (e não tinha, de todo, falo com
conhecimento de causa) porque avançou? Porque decidiu e arrastou
Lamego para esta aventura?
E
no contexto, evocar o envolvimento dos privados não conta, só
agrava a situação, já que os privados se propunham, sem correr
qualquer risco, ganhar dinheiro com a construção, com o
financiamento e com a exploração (parcial ou não) do equipamento.
Em toda a engenharia financeira conhecida não se vislumbra qualquer
risco para os privados, antes pelo contrário, era tudo “filet
mignon”. Logo, neste contexto, se a câmara não tinha
condições..., com o “envolvimento de privados” muito menos, já
que ao esforço impossível para concretizar o projeto, haveria,
sempre, que acrescentar os lucros dos privados (já nem falo na obra,
em si, mas sobretudo no financiamento e na exploração - parcial ou
não - do equipamento).
2
– Refere-se, o presidente da Câmara, aos privados envolvidos neste
processo como “gente com muita experiência, com muita capacidade
para executar obras de natureza diversa”.
Sobre
a honorabilidade dos envolvidos não cabe aqui nenhum comentário.
Mas evocar, no contexto atual, a “muita experiência” e a “muita
capacidade para executar obras de natureza diversa”... é no mínimo
bizarro. A obra revelou e continua a revelar dissonâncias
estruturais incompatíveis com tamanha adjectivação. E isto para já
não falar nas vicissitudes do processo construtivo onde infelizmente
ocorreram vários acidentes e onde houve, inclusive, mortes a
lamentar. Quanto mais não fosse, até por este facto, a adjectivação
utilizada é absolutamente inconsistente e absurda.
3
- Justificando, ainda, o “envolvimento de privados”, evoca o
presidente da Câmara a “muita experiência” e a “muita
capacidade” dos privados para financiar o projeto e de o “financiar
bem, na banca, quando as instituições privadas tinham mais acesso
ao crédito do que tinham as instituições públicas”.
Ora,
acontece que esta afirmação do presidente da Câmara não
corresponde à verdade. Desde logo, como é afirmado na própria
reportagem, a Caixa Geral de Depósito só viabilizou o empréstimo
de “cerca de 20 milhões de euros” porque a Câmara emitiu uma
carta conforto (ilegal, afirmo eu) em que a Câmara se comprometia
com as “obrigações decorrentes” e inerentes àquele empréstimo.
Por
outro lado, a afirmação não corresponde à verdade porque em 2006,
quando se decidiu avançar com o projeto, a Câmara de Lamego tinha
(ao contrário de hoje) uma situação financeira sólida e robusta e
com um invejável “bom nome” junto da banca. Basta confrontar as
facilidades e os “spread” que, naquela altura, eram exigidos à
Câmara de Lamego e os que eram exigidos aos privados envolvidos para
se comprovar que a Câmara estaria em muito melhores condições para
se financiar junto da banca do que estavam os privados a que se
refere.
NB
– Por aqui se vê que apesar da desenvoltura tensa do discurso, o
presidente da Câmara não aduziu nada que nos pudesse confortar em
relação a todo este escândalo. Antes, pelo contrário, tanta
ligeireza de palavras só nos adensam a preocupação que o pior
ainda está para chegar.
PS
– Ainda, em nota de rodapé.
Não
estando a Câmara, como reconhece o presidente da Câmara, em
“condições para fazer um projeto desta natureza”, a engenharia
financeira escolhida acaba por se revelar um verdadeiro desastre.
A
embarcar-se numa aventura tão proibitiva (que, de todo, não deveria
ter acontecido) mais valia que se tivesse avançado com um processo
mais ortodoxo: o lançamento de uma empreitada, por concurso público,
que sempre teria a vantagem de poder usufruir de fundos perdidos
(comunitários) até a um limite de 90%, ao contrário da engenharia
financeira escolhida que a eles não poderia recorrer.
Para
se ter a noção exata do que estamos a falar, a Câmara em vez de
vir a pagar cerca de 30 milhões (IVA incluído) – já se falou em
cerca de 70 milhões e ao certo parece que ainda ninguém (nem os
próprios) sabe quanto será – pelo processo adotado, a Câmara
pagaria, apenas, 2 milhões de euros (se o custo da obra tivesse sido
os cerca de 20 milhões de que se fala e usufruísse dos tais fundos
perdidos que seriam possíveis), caso se tivesse escolhido, como
seria mais racional, o processo de empreitada.
Acresce,
ainda, que se se tivesse optado por uma empreitada de obras públicas
(processo que foi preterido) a Câmara pagaria, apenas, 5% de IVA, ao
passo que com a engenharia financeira (tipo PPP) escolhida pagará
23% de IVA. Isto é, para um montante de referência de 20 milhões
de euros que terá custado o empreendimento, a câmara em vez de
pagar 1 milhão de euros em IVA, vai pagar 4,6 milhões (uma
diferença para mais de 3,6 milhões de euros).
E
o escândalo não se fica por aqui.