16 março 2010

A insustentável leveza da Lei da Rolha


Todos sabemos que a Democracia não se esgota nos partidos políticos. A sociedade exige, cada vez mais, espaços de intervenção individual e colectiva onde os cidadãos possam afirmar, livremente, os seus direitos e deveres cívicos sem tutelas ou condicionalismos de qualquer espécie. Mas se é verdade que a Democracia vai muito para além dos partidos políticos também é certo que eles são a base, a essência, da própria Democracia. Não há Democracia sem partidos mas a Democracia é tanto ou mais adulta e autêntica quanto mais Democracia houver para além das agremiações partidárias.
Nesta perspectiva, os partidos políticos devem ser, antes de tudo, repositórios genuínos das regras e valores que informam as sociedades democráticas. E, porque a Democracia é, na sua essência, o culto e o respeito pela diversidade, também os partidos devem reflectir e pugnar por essa mesma diversidade e disponibilizá-la à sociedade. E essa tarefa deve ser feita com convicção e sem tibiezas sob pena de se minar a própria Democracia.
Vêm estas palavras a propósito duma infeliz decisão tomada no Congresso do PSD do último fim-de-semana. Por proposta de um ex-líder daquele partido, ficam os seus militantes impedidos, sob pena de expulsão, de discordarem do líder do partido, do seu programa, estatutos ou directrizes, especialmente se o fizerem nos 60 dias anteriores a eleições. Para além de infeliz, esta decisão é totalmente inaceitável. Primeiro porque vai em sentido contrário aos valores matriciais da própria Democracia e em segundo lugar porque viola de forma grosseira e primária um dos mais sagrados e fundamentais valores constitucionais: o direito à liberdade de expressão.
É óbvio que se reconhece o dever de disciplina partidária. É inaceitável que um militante de determinado partido conspire contra o próprio partido ou que concorra a eleições por partido diverso. Mas, é, igualmente, inaceitável que um partido não reconheça aos seus militantes o direito ao exercício de um dos mais elementares direitos de cidadania: o direito de personalidade que se revela através da sua livre expressão.
Na dialéctica política muitos serão os que se irão limitar a realçar a fragilidade da decisão do Congresso do PSD daí retirando legítimos proveitos. Já nos meios jurídicos facilmente se demonstrará a nulidade da decisão por imperativos constitucionais. Mas para bem de Portugal e da nossa Democracia convinha que o PSD arrepiasse caminho e providenciasse a revogação célere de tão espúria norma. É que nem o PSD é estalinista como alguns se apressaram a declarar, nem é tão desrespeitador das normas constitucionais quanto a aprovação ligeira da limitação das liberdades internas o possa fazer crer. O PSD é um partido do regime e o regime precisa do PSD.
Sendo o PSD um partido do arco do poder, todos teríamos a ganhar se, tão breve quanto possível, procedesse à sua reorganização interna, definisse uma linha de rumo, apresentasse uma alternativa coerente e credível de poder e se libertasse de pulsões espúrias, como a limitação das liberdades internas e a insistência numa agenda provinciana que só o descredibiliza e desorienta deixando coxa a Democracia em Portugal.
Os partidos políticos são instituições públicas financiadas pelo Orçamento Geral do Estado, isto é, com dinheiro dos nossos impostos, por isso, todos temos o direito de lhes exigir que cumpram com zelo, seriedade e rigor a função que lhes está confiada.

Literacia - um valor seguro


Um pouco por todo o país, as escolas do ensino básico têm estado a celebrar as suas “Semanas da Leitura”. Esta acção concertada a nível nacional integra-se no Plano Nacional de Leitura, projecto, em boa hora, lançado pelo governo sob os auspícios da anterior ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, como resposta aos evidentes deficits de literacia verificados no nosso país.
Apesar dos índices de alfabetização, em Portugal, rodarem os 95% da população, todos temos consciência que os mesmos não correspondem a índices aceitáveis de literacia. Todas as análises e estudos realizados demonstram bem que, no que respeita ao domínio da leitura, a situação de Portugal quando comparada com os países desenvolvidos, é, no mínimo, confrangedora.
E na sociedade de informação em que vivemos e que cada vez mais se aprofunda não basta saber assinar o nome e “ler uma letrita ou outra”. É preciso muito mais. É preciso que cada indivíduo saiba compreender e usar a informação escrita de modo a desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades, bem como participar activamente na sociedade em que se insere.
Com o Plano Nacional de Leitura pretende, o governo, não só, promover salutares hábitos de leitura mas sobretudo desenvolver o gosto pelo conhecimento e pela investigação individual para que cada indivíduo possa alargar as suas competências nos domínios da leitura e da escrita e assim melhor competir na complexa sociedade da informação que caracteriza o mundo moderno.
E, apesar de se dirigir a todos os portugueses, foi estabelecido que durante os cinco primeiros anos do projecto, o público-alvo prioritário seria a comunidade escolar, principalmente do ensino básico. Por isso, as escolas foram apetrechadas com os meios físicos, técnicos e humanos adequados a tal desiderato, apelando-se, simultaneamente, à mobilização dos educadores, professores, pais, encarregados de educação, bibliotecários, animadores e mediadores de leitura.
Fruto de uma estratégia bem delineada e da mobilização de meios adequado, o nosso sistema de ensino tem estado a viver uma verdadeira revolução silenciosa. A enorme e assertiva sementeira de novos hábitos e comportamentos em relação ao saber irão, com toda a certeza, dar valiosas e frutuosas colheitas ao país. A persistir o esforço, Portugal será, dentro duma década, um país muito melhor preparado e habilitado a enfrentar os desafios que o futuro lhe coloca.
Como todos sabemos, os melhores activos e a riqueza mais consistente e perene de um país é o seu próprio povo. Por isso ao apostar na valorização das pessoas, Portugal está não só a construir um país mais justo e igualitário mas está, acima de tudo, a amealhar um incalculável “pé-de-meia” que reverterá, necessariamente, em melhores condições de vida para as gerações futuras. O conhecimento e o saber são as ferramentas mais poderosas ao serviço do progresso e do desenvolvimento.

Todos somos madeirenses


Durante o último fim-de-semana, um invulgar temporal assolou o arquipélago da Madeira. Em consequência deixou um rastro de morte e destruição. O balanço oficial aponta para dezenas de mortos e centenas de desaparecidos, feridos e desalojados. A destruição não poupou vidas humanas nem poupou estradas, pontes e edifícios. Para além das irreparáveis e dolorosas perdas humanas, os prejuízos materiais são incalculáveis e de difícil recuperação.
Mal foram conhecidos os primeiros resultados da catástrofe, o Presidente da República fez uma comunicação de emergência ao País e o primeiro-ministro viajou, de imediato, até ao arquipélago onde reuniu com o presidente do governo regional para concertarem as acções e apoios necessários à retoma da normalidade possível e à recuperação e minimização dos danos causados pela intempérie.
Em simultâneo, a comunicação social foi-nos dando conta da onda de solidariedade espontânea que se ergueu a nível nacional e internacional.
Num instante todos passamos a ser madeirenses. A começar pelo presidente da República e pelo primeiro-ministro, todos cumpriram, numa hora difícil, aquilo que deles se esperava: um sinal de que Portugal está atento e se preocupa com os seus cidadãos. Através de Cavaco Silva e José Sócrates, as autoridades portuguesas fizeram a sua obrigação: ser solidárias com uma parte do território nacional que enfrenta um momento difícil. É nestes momentos que se testa a força de um país, pela sua capacidade de se unir, pela sua capacidade de reagir, pela sua capacidade de se reconstruir.
Se desta vez fomos capazes de entornar a pequenez, se fomos capazes de unir esforços em torno de dificuldades, se fomos capazes de colocar a cooperação institucional ao serviço de quem precisa, nada nos impede de continuar. Nada nos impede de continuar como um povo unido que sabe pedir a solidariedade de todos para ocorrer às dificuldades de alguns mesmo se ainda há pouco o canto estridente da cigarra perturbava a buliçosa labuta da formiga.
Na última década, a Madeira desenvolveu-se tremendamente. Foi mesmo a região da União Europeia que registou a maior progressão. A nível nacional, só Lisboa tem um rendimento superior. Mas os próximos tempos vão ser difíceis e, ultrapassando as tradicionais quezílias políticas, os governantes do Funchal e os de Lisboa vão ter de cooperar. Com o apoio de todo o Portugal, com o apoio da União Europeia, a Madeira vai recuperar desta destruição.
Decididamente, esta não é a hora dos profetas da desgraça antes o tempo dos mensageiros da esperança e da solidariedade.

A justiça e os novos paradigmas


Tempos houve em que a justiça se refugiava numa hermética e asséptica redoma de vidro a partir da qual e em pose majestática exercia o seu ministério. Os próprios rituais judiciais ajudavam a criar esse ambiente e essa postura. Para a retina do cidadão comum o poder judicial era infalível e implacável. A possibilidade de erro acomodava-se quase sempre num lapidar e definitivo: “o juiz decidiu está decidido”.
No entanto, com o advento da sociedade de informação e a consequente proliferação e generalização de meios de comunicação, tanto dos tradicionais – jornais, rádios, televisões – como dos mais informais (veiculados através da internet) – sites, blogs e as recentes redes sociais de que o hi5, o twitter e o facebook são bons exemplos – as coisas começaram a mudar – e muito.
Os processos judiciais passaram a ser mediatizados e os cidadãos adquiriram o direito de opinar e questionar as decisões judiciais. O que antes era intocável passou a ser escrutinado e a anterior verdade suprema deu lugar à opinião pública subjectiva.
Num ápice (para o tempo histórico), passamos a conviver com duas realidades distintas e muitas vezes contraditórias. Passamos a conviver com a justiça formal e objectiva emanada dos tribunais e com a justiça popular (necessariamente subjectiva e emocional) patrocinada pelos meios de comunicação social.
Se a primeira é profissional, amplamente regulamentada e goza da aprendizagem de séculos, já a segunda – a patrocinada pelos meios de comunicação social – é bem mais superficial e volátil e por conseguinte bem mais perniciosa e cruel.
Não raras vezes temos assistido a verdadeiros julgamentos na praça pública com a consequente destruição de carácter de pessoas que posteriormente vêm a ser absolvidas pelos decisores judiciais com base em factualidades e meios de prova credíveis e consistentes. Mas nem por isso assistimos, posteriormente, à sua reabilitação social e à reconstituição legítima dos seus projectos de vida.
Perante a impossibilidade de reverter o curso e a evolução da nova sociedade e da fluidez crescente da informação, caberá ao sistema judicial encontrar um contraponto para esta nova realidade. Sem colocar em causa a democracia, a liberdade de expressão e o legitimo direito ao seu exercício, o poder judicial terá que urgentemente encontrar meios e mecanismos que protejam e defendam o seu ministério.
Aos órgãos de comunicação social competirá, certamente, investigar e denunciar práticas sociais condenáveis – essa é uma das suas nobres funções – coisa diversa é os mesmos órgãos de comunicação social – ao abrigo do anonimato das fontes – parasitarem o sistema judicial limitando-se à transcrição avulsa e descontextualizada – muitas vezes feita de má fé – de excertos de processos que supostamente se encontram em segredo de justiça.
A constante violação do segredo de justiça perante a mais passiva condescendência dos responsáveis judiciais é um dos mais graves e ignóbeis atentados ao estado de direito e por consequência ao sistema judicial vigente.
A mesma justiça que se tem revelado – e bem – tão temerária a importunar gente poderosa, terá de ser capaz de, rapidamente, começar a importunar, igualmente, a gente mesquinha que lhe parasita e desacredita o sistema. O país e o seu sistema judicial não suportam por muito mais tempo o constante linchamento na praça pública de cidadãos que posteriormente são absolvidos em tribunal. É que ninguém é, por impossibilidade real, simultaneamente reles criminoso no pelourinho da praça pública e cidadão exemplar e impoluto perante as barras do Tribunal.

Ouvir

Speech by ReadSpeaker