11 fevereiro 2010

Invictus

Activista pelos direitos da maioria negra do seu país, Nelson Mandela foi condenado, em Junho de 1964, a prisão perpétua sob a acusação de conspiração contra o estado. Vivia-se, então, um dos períodos mais negros do apartheid, o regime de segregação racial imposto pela minoria branca ao povo sul-africano.

Nelson Mandela acabou, no entanto, por ser libertado em Fevereiro de 1990 por ordem do, então, presidente Frederik de Klerk que a mãos com um país em crise, profundamente segregado e desagregado e totalmente ostracizado pela comunidade internacional, pressentiu o fim do abominável regime do apartheid.

Nelson Mandela passou grande parte dos seus quase 30 anos de presídio na, tristemente célebre, prisão de Robben island, obrigado a trabalhos forçados e alojado numa minúscula cela totalmente despojada e sem as mais elementares condições de salubridade, sob a designação de 46664, uma tentativa ardilosa das autoridades para o reduzir ao mais ignorado dos anonimatos referindo-o sempre por aquela simples e abstracta cifra.
Em 1994, quatro anos apenas após a sua libertação, Nelson Mandela, foi eleito presidente da África do Sul, naquelas que foram as primeiras eleições multirraciais e totalmente livres no seu país. Ao chegar ao poder, Nelson Mandela tinha tudo para ser, tão só e apenas, mais um líder radical do continente africano. O próprio havia sido uma das inúmeras vítimas da brutalidade do apartheid. A maioria negra continuava a considerar-se oprimida e explorada por uma escassa minoria branca que se mantinha detentora das riquezas do país. A nova classe política que chegara ao poder com Mandela disfarçava mal a sua impaciência perante a demora da “vingança dos oprimidos”.

A África do Sul e apesar da eleição de Mandela continuava, pois, racista e economicamente dividida, um verdadeiro vulcão social prestes a explodir fruto das desconfianças e ódios raciais acumulados ao longo de séculos. Até nos mais comezinhos gestos os ódios se evidenciavam. Qualquer actividade, por mais frívola na aparência, parecia servir para aprofundar esses ódios. O que agradava à minoria branca era severamente abominada pela maioria negra e vice-versa. Até na prática desportiva os antagonismos foram levados ao limite. Enquanto a maioria negra vibrava ao ritmo do futebol a minoria branca elegia o râguebi como desporto de eleição. E se o râguebi era o desporto que arrebatava a minoria branca só podia ser detestado pela maioria negra que via, na modalidade, um dos símbolos dos “senhores da opressão”.

Mas foi nesse contexto complicadíssimo que Nelson Mandela revelou a sua veia inspiradora que só ocorre aos grandes líderes e aos grandes estadistas. É que fruto da abertura ao mundo que o fim do apartheid permitiu, foi confiada à África do Sul a organização da fase final do campeonato do mundo de râguebi de 1995 – Um ano apenas após a chegada de Mandela ao poder. Ao simbolismo da escolha do país de Nelson Mandela, acrescentava-se o facto de esta ser a primeira competição em que uma selecção sul-africana era aceite a nível internacional em provas oficiais.

Acreditando que poderia unir o seu povo através da linguagem universal do desporto, Mandela, enfrentou a comunidade negra que via na modalidade todos os fantasmas da opressão, apelou ao envolvimento e empenhamento de todos no evento e envolveu-se pessoalmente na motivação da selecção do seu país que acabou por fazer uma imprevista caminhada até à vitória final do Campeonato do Mundo de Râguebi de 1995. Cada jogo, cada vitória, da selecção congregava mais e mais adeptos de todas as raças, credos e origens sociais. Após a vitória na final, disputada na cidade de Johannesburg, sobre a fortíssima e temível selecção dos “Alls Stars” da Nova Zelândia, a África do Sul ganhava o seu primeiro título mundial numa grande competição e era pela primeira vez um país livre e multicolor com brancos, negros e mestiços irmanados num mesmo espírito de unidade nacional. Mais que uma vitória, Mandela percebeu que naquele dia, em torno de um simples jogo de râguebi, o seu país ganhava um povo pacificado consigo próprio. E esse foi o seu grande legado para o futuro: a capacidade de unir num único povo as famílias desavindas que sempre haviam convivido sob o signo do ódio.

É esta a história que Clint Eastwood nos faz reviver no seu mais recente trabalho cinematográfico. Invictus, interpretado por Morgan Freeman, narra-nos um pequeno episódio na vida de um estadista mas revela-nos um grande exemplo para a humanidade – Nelson Mandela.

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