30 novembro 2009

A justiça e os novos paradigmas



Tempos houve em que a justiça se refugiava numa hermética e asséptica redoma de vidro a partir da qual e em pose majestática exercia o seu ministério. Os próprios rituais judiciais ajudavam a criar esse ambiente e essa postura. Para a retina do cidadão comum o poder judicial era infalível e implacável. A possibilidade de erro acomodava-se quase sempre num lapidar e definitivo: “o juiz decidiu está decidido”.

No entanto, com o advento da sociedade de informação e a consequente proliferação e generalização de meios de comunicação, tanto dos tradicionais – jornais, rádios, televisões – como dos mais informais (veiculados através da internet) – sites, blogs e as recentes redes sociais de que o hi5, o twitter e o facebook são bons exemplos – as coisas começaram a mudar – e muito.

Os processos judiciais passaram a ser mediatizados e os cidadãos adquiriram o direito de opinar e questionar as decisões judiciais. O que antes era intocável passou a ser escrutinado e a anterior verdade suprema deu lugar à opinião pública subjectiva.

Num ápice (para o tempo histórico), passamos a conviver com duas realidades distintas e muitas vezes contraditórias. Passamos a conviver com a justiça formal e objectiva emanada dos tribunais e com a justiça popular (necessariamente subjectiva e emocional) patrocinada pelos meios de comunicação social.

Se a primeira é profissional, amplamente regulamentada e goza da aprendizagem de séculos, já a segunda – a patrocinada pelos meios de comunicação social – é bem mais superficial e volátil e por conseguinte bem mais perniciosa e cruel.

Não raras vezes temos assistido a verdadeiros julgamentos na praça pública com a consequente destruição de carácter de pessoas que posteriormente vêm a ser absolvidas pelos decisores judiciais com base em factualidades e meios de prova credíveis e consistentes. Mas nem por isso assistimos, posteriormente, à sua reabilitação social e à reconstituição legítima dos seus Projetos de vida.

Perante a impossibilidade de reverter o curso e a evolução da nova sociedade e da fluidez crescente da informação, caberá ao sistema judicial encontrar um contraponto para esta nova realidade. Sem colocar em causa a democracia, a liberdade de expressão e o legitimo direito ao seu exercício, o poder judicial terá que urgentemente encontrar meios e mecanismos que protejam e defendam o seu ministério.

Aos órgãos de comunicação social competirá, certamente, investigar e denunciar práticas sociais condenáveis – essa é uma das suas nobres funções – coisa diversa é os mesmos órgãos de comunicação social – ao abrigo do anonimato das fontes – parasitarem o sistema judicial limitando-se à transcrição avulsa e descontextualizada – muitas vezes feita de má fé – de excertos de processos que supostamente se encontram em segredo de justiça.

A constante violação do segredo de justiça perante a mais passiva condescendência dos responsáveis judiciais é um dos mais graves e ignóbeis atentados ao estado de direito e por consequência ao sistema judicial vigente.

A mesma justiça que se tem revelado – e bem – tão temerária a importunar gente poderosa, terá de ser capaz de, rapidamente, começar a importunar, igualmente, a gente mesquinha que lhe parasita e desacredita o sistema. O país e o seu sistema judicial não suportam por muito mais tempo o constante linchamento na praça pública de cidadãos que posteriormente são absolvidos em tribunal. É que ninguém é, por impossibilidade real, simultaneamente reles criminoso no pelourinho da praça pública e cidadão exemplar e impoluto perante as barras do Tribunal.


PS - Com este escrito não absolvo a necessidade urgente de se repensar todo o sistema de justiça quer na sua estrutura, quer na sua regulamentação, quer na forma como se recrutam e nomeiam os juízes e os agentes do Ministério Público, bem como o seu escrutínio. Interrogo-me, ainda, se não é gravemente pernicioso, para o sistema, o convívio, sob o mesmo teto (muitas vezes paredes meias) entre juízes e procuradores do Ministério Público - imagine-se, no futebol, o árbitro e uma das equipas a viverem debaixo do mesmo teto e a partilharem o mesmo balneário, com toda a certeza, a ninguém pareceria bem.

29 novembro 2009

Douro - perspectivas para o futuro

A excelência do Douro é por demais conhecida e reconhecida. O homem, o território, a história, a cultura… são partes inteiras dessa excelência. E se a natureza já tinha sido pródiga na definição de uma paisagem soberba e deslumbrante, a intervenção do homem foi sumptuosa e sábia - se há combinação perfeita entre os caprichos da natureza e a obra humana ela revela-se com todo o esplendor na região do Douro.

A natureza brindou o homem do Douro com um território de invulgar beleza e grandiosidade mas o homem do Douro não se fez rogado e com a sua intervenção na paisagem, devolveu-lhe, em dobro, o esforço criativo para a composição desse cenário único que constitui, hoje, Património Mundial da Humanidade enquanto paisagem cultural, evolutiva e viva.

Depois da classificação, atribuída pela UNESCO em 2001, como Património Mundial da Humanidade, a mais antiga região demarcada do mundo, o Douro – o nosso Douro – aparece, agora, num honroso 7º lugar na lista de destinos turísticos sustentáveis elaborada por 400 peritos de diversas áreas a nível mundial sob a égide da prestigiada National Geographic Society.

A avaliação que conduziu a este novo ranking foi feita com base em seis critérios: a qualidade ambiental e ecológica, a integração social e cultural, o estado de conservação de edifícios históricos e sítios arqueológicos, o apelo estético, a qualidade da gestão turística e perspectivas para o futuro.

E é aqui que devemos reter a nossa melhor atenção. Se em relação aos primeiros 5 critérios tudo devemos à nossa história, ao nosso passado e à intervenção genial do Homem do Douro já o 6º critério (perspectivas para o futuro) coloca-nos sobre os ombros a enorme responsabilidade de não falhar no cumprimento do mais sublime e empolgante desígnio do homem sobre a terra: o de cada geração entregar à geração seguinte um mundo melhor que aquele que recebeu da geração que a antecedeu.

É esse o desafio que o passado nos lega e que as instâncias internacionais com as suas múltiplas deferências para com a região nos vão recordando: Se herdamos uma das mais belas e mais bem intervencionadas regiões do mundo temos de ser capazes de a cuidar, valorizar e potenciar de forma a dela retirarmos, com inteligência e sustentabilidade, a prosperidade e a felicidade que todos merecemos e está ao nosso alcance.

Que cada um de nós, nas respectivas áreas de intervenção, saiba dar o melhor que sabe e pode para criar essa prosperidade e essa felicidade. E esse contributo só será possível se soubermos reler com humildade o célebre ensinamento de John Kennedy: não perguntes o que a tua região pode fazer por ti pergunta sempre o que podes tu fazer pela tua região.

28 novembro 2009

Unir é preciso

Todos reconhecemos que o Douro tem enormes potencialidades. Todos reconhecemos, igualmente, que apesar de o Douro revelar um enorme potencial ainda não foi capaz de traduzir todo esse potencial em riqueza e bem-estar para os seus nativos. E esta evidente realidade persiste apesar dos relevantes fluxos financeiros canalizados para a região nas últimas duas décadas nomeadamente no que a fundos comunitários diz respeito.

Perguntar-se-á, então: se a região possui um elevado potencial endógeno, se os assinaláveis fluxos financeiros canalizados para a região nas últimas duas décadas foram visíveis e palpáveis porque razão, essas duas condicionantes, não foram suficientes para conferir aos durienses um nível de vida que se aproximasse (sequer) da média nacional? Várias serão, com certeza, as teses que tentarão com mais ou menos coerência explicar a “mala pata”.

No entanto, uma coisa parece desde logo evidente. O Douro, e refiro a NUT Douro, apesar de constituir uma região homogénea e coerente em termos geográficos, históricos, culturais e económicos evidência um problema de base que compromete “ab initio” todos os esforços para um desenvolvimento estruturado, equilibrado e sustentável. Falta ao Douro espírito de corpo e uma verdadeira voz de comando.

Na realidade, o Douro encontra-se espartilhado por 4 distritos administrativos, o mesmo é dizer por 4 diferentes círculos eleitorais (Bragança, Guarda, Vila Real e Viseu), cada um com as suas lógicas de poder distintas, com as suas visões políticas distintas, com as suas perspectivas estratégicas distintas. Com tamanho espartilho sobra, ao Douro, variedade de lideranças políticas e diversidade administrativa o que lhe falta em “voz de comando”, espírito de corpo e visão estratégica una e coerente.

O PRACE – Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado – tem vindo a dar um bom contributo para devolver unidade ao Douro. As reformas realizadas, até ao momento, têm respeitado essa unidade. Falta, agora, a mais importante dessas reformas, sem a qual todas as outras estarão comprometidas na sua generosidade.

Falta devolver ao Douro aquilo que a natureza e o Homem lhe conferiram mas que inadvertidamente o poder centralista do estado lhe retirou há quase dois séculos atrás: unidade. Falta unir o Douro numa só região. Só com todo o Douro integrado numa única região será possível gerar a liderança que tanto lhe falta e através dela forjar um rumo que implique, necessariamente, uma nova atitude face ao desenvolvimento.

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